quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Das vontades


Hoje assisti mais uma vez Beleza Americana. Amo esse filme. Mandar para o lixo a carreira bem-comportada depois de uma conversa franca com o chefe e ir trabalhar numa lanchonete, sem metas e cobranças que fossem além de entregar com um sorriso o hambúrguer para o freguês. Comprar um carro lindo mas imprestável e depois correr atrás de uma garota como se ele fosse também, um garoto. Remando contra a correnteza.
Em oito meses desse ano, perdi um emprego que detestava, mas que pagava minhas contas; um apartamento que adorava e um namorado que eu amava; além de ter sido assaltada por um sujeitinho medonho, armado e filho da puta. E além de tudo, não ter com quem contar. Fica difícil não sonhar com uma nova vida...
Sabemos que temos que contar com nós mesmos, e no entanto quase sempre depositamos nossa felicidade (ou infelicidade) nos outros. Ninguém pode nos ajudar se nós próprios não nos ajudamos. Ninguém mesmo: nem a mãe, nem o pai, o amigo, o irmão, o namorada ou o marido. Ninguém. Vivemos num mundo em que a solidão é tratada como um estigma, um mal a evitar. E poucas coisas me enchem de tamanho horror quanto a solidão. É porque não contamos com nós mesmos. Pois é, estamos sempre fugindo de nós mesmos.
A única coisa que temos sob nosso controle somos nós. Nossa mente e nossas ações. O resto, não. Seu namorado deixou você? É triste, se você gosta dele, mas infelizmente não está no nosso controle obrigá-lo a amá-la até o último dia. Sob seu controle está você mesmo. É com você mesmo que você deve contar. Não pode haver mais sólido refúgio do que esse contra as adversidades e incertezas da vida.

Ainda assim, sofro, sinto falta e quase me entrego. Cheguei e fui muito bem-vinda ao clube das relações tóxicas. Onde não há esperança de melhora. Há uma teimosia neurótica de seguir em frente, com crises constantes e cada vez piores. Num certo momento, mesmo que você, num espasmo de razão, veja que não existe sentido em continuar, se sente como que tomado de impotência. A impressão é que uma corrente o liga àquele homem que a reduziu a nada. Você jura que vai embora. Jura que jamais deixará seus ouvidos serem massacrados com tantas palavras negativas. E no entanto ali permanece, exposto a ataques insistentes.
Finais romanticamente lindos só são conseguidos por casais que não se deixaram tomar pela toxicidade. Nos casos amorosos tóxicos, os braços demoram infinitamente para se desenlaçar. E, quando aparece enfim, o desenlace é, quase sempre, para que as mãos desimpedidas atirem pedras.
O sofrimento pode viciar tanto quanto o cigarro ou sorvete de chocolate. E existe tb um fator físico poderoso: o sexo. Quanto mais tóxica a relação, melhor aparentemente o sexo. Horas incessantes de inferno são substituídas por momentos de glória sexual. Parece fantástico, mas não é. Não sei se posso me enquadrar nessa categoria. Nosso amor não era tóxico, mas ainda assim acabou (?).

Mas e a dor? A dor da perda de um amor. A gente imagina que vai morrer sem ele. Como dói aquela ausência. Como dói a perspectiva de nunca mais ter nos braços alguém que a gente imaginava ao nosso lado para sempre. Nunca mais. E no entanto quando aquela dor torturadora se vai, vencida enfim pelo correr dos longos dias, o que sentimos não é alívio, mas vazio e frustração. É como se pensássemos: o grande amor exige uma dor eterna, um luto no coração até o último dia. Só que a dor, como disse Proust, dura ainda menos que a beleza.

Um comentário:

Dani disse...

vai por mim: nem todo relacionamento tóxico gera bom sexo. nem sempre!!!